"A Morte no Brasil" fala do país com violência, corrupção e afeto

Morte no Brasil' fala do país com violência, corrupção e afeto"
Richard Eder

A morte no título poderia facilmente ter sido a do autor. Seu livro, um retrato deslumbrante de sombra e luz do Brasil, abre com um impressionante desafio. Um jovem ladrão invade seu apartamento no Rio de Janeiro. Tremendo e desesperado, ele pressiona uma faca de cozinha contra a garganta de Peter Robb.

"O perigo estava na velocidade. Uma lâmina afiada se move mais rápido que um pensamento. Era preciso reduzir o ritmo dos movimentos, e o calor. Era só o que eu sabia. Não podia deixar nada acontecer. Devia responder à violência, velocidade e barulho não com violência, velocidade e barulho, mas com lentidão ponderada, envolvendo cada nova ameaça com vagarosidade".

Então:

"As belas frases em português começaram a sair, lentamente, mas com graça barroca, de minha língua espantosa. Uma coragem obtusa firmou a mão que segurava a faca, a calma apática trouxe uma pequena hesitação no caminho da violência."

Os dois conversaram, Robb inventou argumentos razoáveis contra seu assassinato; Adelmo, o ladrão, falou de sua vida nas ruas, violenta e de privações, mostrando suas cicatrizes. Eles conversam até o amanhecer, a faca às vezes esquecida, às vezes empunhada. "Beije-me", exige Adelmo, e Robb o faz, por um momento prolongado e quente. Mais tarde, Adelmo faz um corte no braço de Robb, sangrento, mas não profundo. "Diz para eles que eu te ataquei". Satisfeito com sua lógica, corta seu próprio braço e se acalma. "Vou dizer que você me esfaqueou primeiro."

Bons livros de viajantes requerem começos que seduzem, transportam ou abduzem. Assim fez, por exemplo, Patrick Leigh Fermor com a Grécia, Lawrence Durrell com o Chipre e Huck Finn com o Mississippi. Até o "Inferno", de Dante, o maior livro de viagem de todos e também a primeira excursão guiada, fez isso, com seu portal de madeira escura mandando aqueles que entram abandonarem toda esperança.

Assim como os exemplos, "A Death in Brazil" não é estritamente sobre viagem. Lida também com a história, a geografia, a sociedade, a cultura, a comida e o exibicionismo barroco da vida política do Brasil. A viagem determina mais o modo verbal em que o livro é escrito, vencendo o subjuntivo, o condicional, indicativo e imperativo para o ultra-ativo. Robb escreve sobre seus temas não como acadêmico ou analista, mas como se estivesse passeando por eles com fome, com esforço e, às vezes, correndo risco.

Dois de seus livros anteriores, um sobre a Sicília e outro sobre Caravaggio, são encontros poderosos, altamente coloridos. "Death" também é assim. Todos mostram um fascínio com opostos: beleza e corrupção, sensualidade e violência. O autor lança esses pares algumas vezes de passagem, mas na maior parte, elucidando-os da forma que um touro elucida um toureiro.

"Death" é movido por uma espécie de motor de três cilindros. (O combustível, para levar a imagem além do que deveria ir, é a comida. As descrições de Robb das feijoadas suntuosas, da farofa comum, feita de farinha de mandioca, e da buchada, um caldeirão de bruxa feito das entranhas de bode, são gloriosas e de embasbacar).

Um dos cilindros, escrito com afeto, evoca o tempo que passou e os amigos que fez na cidade colonial portuária de Recife e suas excursões ao interior tropical árido. Um Hogarth amigável teria desenhado as cenas na rua como Robb: lotadas, agitadas e, apesar disso, estranhamente relaxadas.

Com toda sua pobreza, ele contrasta Recife com o caos futurístico e a violência das mega-cidades do Brasil. "Diferentemente de São Paulo, no Sul, Recife não tem quase nada a oferecer aos migrantes do interior, fora sua proximidade e menor probabilidade de destruí-los".

Um segundo cilindro, hábil e absorvente, conta da história do Brasil, seu cenário vividamente descrito: sentimos seu tamanho continental, ao longo de relatos graciosos de três de seus maiores escritores.

Um é Machado de Assis, autor de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e outros romances oblíquos hipnotizantes. O segundo é Euclides da Cunha, que escreveu "Os Sertões", épico alucinado de um reinado no interior, liderado por um líder carismático conhecido como Conselheiro e de sua supressão virtualmente genocida. Ao formar a mitologia nacional, Robb chama-o de "Moby-Dick" brasileiro.

O terceiro escritor é Gilberto Freyre, autor de "Casa Grande e Senzala", estudo sociológico clássico que permitiu ao Brasil se pensar como multicultural, em vez de uma ridícula imitação européia. Falta, entretanto, Clarice Lispector, escritora de obras originais e intimamente impressionantes, apesar de ser mais conhecida no exterior como feminista.

Correndo por todo o livro está o terceiro cilindro: o crescimento rápido de Fernando Collor de Mello, eleito presidente em 1989, como candidato educado e modernizador, com mensagens arrogantemente reformistas. O grande capital brasileiro o promoveu -notavelmente a imprensa e o império de televisão de Roberto Marinho- o que, no mínimo, tornava suas propostas de reforma decididamente frágeis. Collor, escolhido para combater a crescente popularidade do esquerdista Lula da Silva (hoje presidente), foi forçado a renunciar depois de um enorme escândalo de corrupção, em 1992.

O relato de Robb do escândalo e das redes políticas e econômicas arraigadas que ajudaram a manter a distância entre os muitos ricos e os pobres, perigosamente desesperançados (lembre-se de Adelmo), é fascinante e revelador. Tem suas partes de tablóide, mas o tema mal poderia ser tratado de outra forma.

A figura central era o homem do dinheiro de Collor, P.C. Farias, um grileiro ambicioso e atrevido, que fez o início de sua fortuna fechando negócios por causa de suas conexões políticas e aceitando suborno. Depois da queda de Collor, ele foi assassinado, aparentemente por uma amante, mas quase certamente por algum de seus sócios. Sensacional demais para ser Machado de Assis.

É o Brasil além das sensações que dá ao livro sua grande dimensão de viagem. Robb procura encontros (ou, no caso de Adelmo, eles o procuram). Um dos mais expressivos está em uma célebre observação por Dom Helder Câmara, arcebispo de Recife, em 1970. Ele disse: "Quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista."

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