Pobreza do Brasil não inibe ostentação dos ricos

Era do presidente-operário marca boom do mercado que vende luxo
Raymond ColittEm São Paulo
Financial Times 10/08/2004

A pequena distância de algumas das favelas mais pobres e violentas do mundo, clientes bebem champanhe e admiram os últimos anéis de diamante importados em uma requintada joalheria. No elegante bairro dos Jardins, em São Paulo, estão se abrindo diversas butiques de renome internacional, em um "boom" de produtos de luxo que está conquistando a maior economia da América do Sul."O Brasil tem sido um dos mercados de rápido crescimento mais consistente para nós -está entre os dez maiores do mundo", diz Freddy Rabbat, diretor-executivo da Mont Blanc, exclusiva fabricante suíça de canetas.A economia brasileira cresceu nos últimos cinco anos apenas 1,5% ao ano, em média. Mas o mercado de produtos de luxo cresceu 33% por ano em termos reais, ajustados à inflação, segundo a consultoria de produtos de luxo MCF. Um dos motivos é que os bens de luxo importados foram proibidos até 1993, e a alta sociedade brasileira se habituou a comprar suas calças de marca e relógios de ouro em viagens ao exterior. O hábito mudou lentamente, e muitas marcas só se tornaram disponíveis recentemente.Mas hoje os brasileiros estão se recuperando e se deliciando como nunca. "As pessoas costumavam comprar como loucas quando viajavam a Nova York e Paris. Hoje elas encontram o luxo no Brasil", diz Laura Pedroso, diretora-geral da Tiffany no país. A joalheria americana tem duas lojas em São Paulo e deverá abrir outra. "Estamos aqui há apenas três anos e ainda há todo um país a conquistar."A chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro presidente brasileiro originário da classe trabalhadora, em janeiro de 2003, pouco fez para conter a capacidade ou o desejo dos brasileiros ricos de praticar extravagâncias.Enquanto o ex-líder sindical lançou uma campanha para combater a fome e a desigualdade, o crescimento do número de milionários superou de longe o da economia. Em seu primeiro ano de governo, o número de indivíduos de alto valor líquido aumentou 6%, para 80 mil, segundo o Relatório Mundial sobre a Riqueza 2004, compilado pela Merrill Lynch e Capgemini. Isso apesar de uma retração econômica de 0,2% em 2003.Os novos ricos são, na maioria, altos executivos de empresas e profissionais liberais. "Havia uma preocupação de que o mercado sofresse sob o governo Lula, mas os clientes com dinheiro e vaidade suficientes não param de comprar produtos de luxo só por causa de um governo popular", diz Francisco Longo, presidente da Ferrari no Brasil. Ele espera que as vendas cresçam 40% este ano, para um total de 63 carros Ferrari e Maseratti.Não são apenas os ultra ricos que estão impulsionando as vendas de canetas banhadas a ouro e pulseiras de diamantes. "Existe uma classe média muito ambiciosa, apesar de sua renda ter caído nos últimos anos", diz Carlos Ferreirinha, diretor da consultoria MCF. "Ainda estamos na fase inicial do desenvolvimento do mercado de luxo."Uma peculiaridade dos consumidores ricos no Brasil é pagar em prestações. "É uma coisa cultural", diz Rosângela Lyra, diretora-geral da Christian Dior no Brasil. De fato, somente no Brasil a Tiffany, a Christian Dior e outros varejistas exclusivos oferecem pagamentos em prestações.O mercado de bens de luxo no Brasil também apresenta desafios. As falsificações e o contrabando são comuns, e muitos fabricantes empregam um exército de advogados e trabalham em estreita ligação com a polícia para proteger suas marcas."É claramente uma desvantagem, mas nosso departamento antipirataria trabalhou duro, com bons resultados", disse Ricardo Reyes, diretor de marketing da Louis Vuitton para a América Latina. Ele diz que a companhia pretende mais que duplicar seu número de lojas até 2006, para sete.De fato, com esses números de crescimento elevados, a maioria das grandes marcas se dispõe a enfrentar esses desafios. "Na verdade é um bom sinal quando eles querem copiar sua marca. Os que têm dinheiro não compram falsificações, e isso realmente não afeta nossas vendas", diz Lyra. Depois de um crescimento anual de 25% na última meia década, ela ainda vê "um enorme potencial de mercado" e pretende abrir mais duas lojas este ano e no próximo.Para a maioria dos brasileiros, a idéia de comprar os produtos exibidos na Tiffany ou na Cartier continuará sendo um sonho. Um pedreiro que ganha o atual salário mínimo de R$ 260 teria de trabalhar 40 meses para comprar um relógio de ouro Cartier, desde que pudesse poupar todo o seu rendimento. O custo de uma Ferrari poderia alimentar sete famílias de quatro pessoas durante 20 anos.Enquanto alguns observadores poderiam pensar que as enormes desigualdades sociais do Brasil inibiriam o comportamento ostentatório, outros afirmam que ocorre exatamente o contrário. Enfrentar diariamente a pobreza reforça o desejo das pessoas de se diferenciar, afirma Jorge Forbes, um psicanalista que estuda os mercados de luxo há anos."Muitas [pessoas] pobres compram uma corrente de ouro mesmo sem ter condições -isso compra a imagem de sucesso."A tendência a consumir luxo também é maior em sociedades menos tradicionais como a do Brasil. "Os brasileiros estão mais interessados em viver hoje do que em preservar diferenças de classe tradicionais", diz Forbes.

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