Se nos for dado escolher...
Folha de São Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES
Se nos for dado escolher...
CHRISTOPHER PATTEN e ENRIQUE IGLESIAS
Se nos for dado escolher entre autoritarismo, instabilidade, pobreza e conflitos regionais, ou democracia, crescimento econômico, justiça social e integração regional, ficaremos com estas últimas opções. Você não faria o mesmo?
A Cúpula entre América Latina e União Européia (UE) em Guadalajara, que acaba de terminar, ajudou-nos a encontrar formas para promover a consolidação da democracia, a coesão social e a integração regional no continente latino-americano. Em 1999, no Rio de Janeiro, uma relação estratégica entre nossos dois continentes foi lançada. A Cúpula de Madri, realizada em 2002, deu passos decisivos à frente. A UE é hoje o maior doador de ajuda, o maior investidor estrangeiro e o segundo maior parceiro comercial dessa importante parte do mundo. A terceira cúpula foi a primeira da qual participaram os 25 países da União Européia ampliada.
Quais devem ser, agora, nossas prioridades para o futuro? O que pode ser feito para melhorar o cotidiano de nossos cidadãos? A UE tem duas prioridades em mente: coesão social e integração regional.
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A exclusão social está no coração das crises políticas que freqüentemente afligem os países latino-americanos
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Os atuais níveis de exclusão social na América Latina e no Caribe são insustentáveis. Dados elaborados pelo BID mostram que a América Latina apresenta os números mais elevados de desigualdade do mundo, com quase 45% da população vivendo na pobreza em 2003. Essa situação é moralmente inaceitável. A despeito da reestruturação econômica e das reformas políticas introduzidas na década de 1990, grandes segmentos da população não têm podido usufruir das vantagens de uma economia de livre mercado.
A exclusão social está também no coração das crises políticas que freqüentemente afligem os países latino-americanos. Uma pesquisa conduzida recentemente pelo PNUD mostrou que as democracias estão perdendo o apoio de seus cidadãos, por conta da desigualdade e da pobreza extrema. Mais da metade dos cidadãos da América Latina apoiaria um governo autoritário, se este fosse capaz de sanar suas dificuldades econômicas. Entretanto a história nos tem mostrado que as violações aos direitos humanos e a corrupção encontram terreno mais fértil nas ditaduras. É a democracia que oferece melhores perspectivas para um desenvolvimento econômico mais eqüitativamente distribuído. Esse é o principal argumento da publicação conjunta Comissão Européia-BID intitulada "Democracia com Desigualdade?", apresentada na cúpula.
A luta contra a exclusão social também tem lógica econômica. A pobreza reduz o tamanho dos mercados e detém o crescimento econômico. Uma sociedade justa e integradora gera trabalhadores e consumidores mais qualificados, atrai mais investimento estrangeiro e promove um crescimento mais rápido. A UE está plenamente consciente das complexidades envolvidas na integração de todos os segmentos da sociedade e na tentativa de uma distribuição mais justa do bem-estar; e deseja apresentar a seus parceiros na América Latina e no Caribe sua experiência na promoção da coesão social.
A UE vem trabalhando exaustivamente com o BID e foi a Guadalajara com algumas propostas concretas, notadamente a iniciativa EUROsociAL, financiada com 30 milhões, que criará redes de administração pública permitindo a transferência de experiências e de know-how na definição e implementação de políticas sociais. O BID participará desse esforço por meio de cooperação técnica e do apoio financeiro.
A globalização torna a integração regional particularmente importante. A história européia oferece inúmeras provas dos benefícios da crescente interdependência entre vizinhos. O aprofundamento da integração regional na América Latina e no Caribe permitirá que os países da região tenham voz mais ativa nas questões mundiais. Além disso, o progresso na promoção da integração regional é importante para o desenvolvimento e o fortalecimento de nossas relações bilaterais.
Recentemente, a União Européia manteve diálogos políticos e firmou acordos de cooperação com a Comunidade Andina e a América Central e está sendo solicitada a iniciar com elas negociações sobre acordos de livre comércio. Esses acordos fazem sentido, em termos econômicos, quando é possível negociar na base de região para região e quando ambos os lados podem garantir que suas exportações circularão livremente por seus territórios.
Um acordo de associação equilibrado da UE com o Mercosul liberaria substancialmente o comércio entre as duas regiões e estimularia o desenvolvimento de novos laços produtivos no próprio Mercosul. Por isso foi importante que, na cúpula, a UE e o Mercosul tivessem encontrado o caminho para firmar um acordo até o próximo outubro.
A Cúpula de Guadalajara também nos permitiu discutir como contribuir com a paz e a segurança mundiais, incluindo formas para enfrentar desafios comuns, como o gerenciamento de fluxos migratórios, a degradação ambiental, a proliferação de armas de destruição em massa e o terrorismo. Partilhamos um compromisso claro com o multilateralismo e devemos trabalhar para torná-lo mais efetivo.
Estamos confiantes em que, a partir das conquistas das duas cúpulas anteriores, Guadalajara tenha representado mais um avanço em nossa parceria estratégica. É isso que nossos cidadãos merecem e, portanto, nossa escolha deve ser clara.
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Christopher Patten, 60, é o comissário de Relações Exteriores da União Européia. Foi o último governador britânico de Hong Kong (1992-97). Enrique V. Iglesias, 72, é o presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Se nos for dado escolher...
CHRISTOPHER PATTEN e ENRIQUE IGLESIAS
Se nos for dado escolher entre autoritarismo, instabilidade, pobreza e conflitos regionais, ou democracia, crescimento econômico, justiça social e integração regional, ficaremos com estas últimas opções. Você não faria o mesmo?
A Cúpula entre América Latina e União Européia (UE) em Guadalajara, que acaba de terminar, ajudou-nos a encontrar formas para promover a consolidação da democracia, a coesão social e a integração regional no continente latino-americano. Em 1999, no Rio de Janeiro, uma relação estratégica entre nossos dois continentes foi lançada. A Cúpula de Madri, realizada em 2002, deu passos decisivos à frente. A UE é hoje o maior doador de ajuda, o maior investidor estrangeiro e o segundo maior parceiro comercial dessa importante parte do mundo. A terceira cúpula foi a primeira da qual participaram os 25 países da União Européia ampliada.
Quais devem ser, agora, nossas prioridades para o futuro? O que pode ser feito para melhorar o cotidiano de nossos cidadãos? A UE tem duas prioridades em mente: coesão social e integração regional.
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A exclusão social está no coração das crises políticas que freqüentemente afligem os países latino-americanos
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Os atuais níveis de exclusão social na América Latina e no Caribe são insustentáveis. Dados elaborados pelo BID mostram que a América Latina apresenta os números mais elevados de desigualdade do mundo, com quase 45% da população vivendo na pobreza em 2003. Essa situação é moralmente inaceitável. A despeito da reestruturação econômica e das reformas políticas introduzidas na década de 1990, grandes segmentos da população não têm podido usufruir das vantagens de uma economia de livre mercado.
A exclusão social está também no coração das crises políticas que freqüentemente afligem os países latino-americanos. Uma pesquisa conduzida recentemente pelo PNUD mostrou que as democracias estão perdendo o apoio de seus cidadãos, por conta da desigualdade e da pobreza extrema. Mais da metade dos cidadãos da América Latina apoiaria um governo autoritário, se este fosse capaz de sanar suas dificuldades econômicas. Entretanto a história nos tem mostrado que as violações aos direitos humanos e a corrupção encontram terreno mais fértil nas ditaduras. É a democracia que oferece melhores perspectivas para um desenvolvimento econômico mais eqüitativamente distribuído. Esse é o principal argumento da publicação conjunta Comissão Européia-BID intitulada "Democracia com Desigualdade?", apresentada na cúpula.
A luta contra a exclusão social também tem lógica econômica. A pobreza reduz o tamanho dos mercados e detém o crescimento econômico. Uma sociedade justa e integradora gera trabalhadores e consumidores mais qualificados, atrai mais investimento estrangeiro e promove um crescimento mais rápido. A UE está plenamente consciente das complexidades envolvidas na integração de todos os segmentos da sociedade e na tentativa de uma distribuição mais justa do bem-estar; e deseja apresentar a seus parceiros na América Latina e no Caribe sua experiência na promoção da coesão social.
A UE vem trabalhando exaustivamente com o BID e foi a Guadalajara com algumas propostas concretas, notadamente a iniciativa EUROsociAL, financiada com 30 milhões, que criará redes de administração pública permitindo a transferência de experiências e de know-how na definição e implementação de políticas sociais. O BID participará desse esforço por meio de cooperação técnica e do apoio financeiro.
A globalização torna a integração regional particularmente importante. A história européia oferece inúmeras provas dos benefícios da crescente interdependência entre vizinhos. O aprofundamento da integração regional na América Latina e no Caribe permitirá que os países da região tenham voz mais ativa nas questões mundiais. Além disso, o progresso na promoção da integração regional é importante para o desenvolvimento e o fortalecimento de nossas relações bilaterais.
Recentemente, a União Européia manteve diálogos políticos e firmou acordos de cooperação com a Comunidade Andina e a América Central e está sendo solicitada a iniciar com elas negociações sobre acordos de livre comércio. Esses acordos fazem sentido, em termos econômicos, quando é possível negociar na base de região para região e quando ambos os lados podem garantir que suas exportações circularão livremente por seus territórios.
Um acordo de associação equilibrado da UE com o Mercosul liberaria substancialmente o comércio entre as duas regiões e estimularia o desenvolvimento de novos laços produtivos no próprio Mercosul. Por isso foi importante que, na cúpula, a UE e o Mercosul tivessem encontrado o caminho para firmar um acordo até o próximo outubro.
A Cúpula de Guadalajara também nos permitiu discutir como contribuir com a paz e a segurança mundiais, incluindo formas para enfrentar desafios comuns, como o gerenciamento de fluxos migratórios, a degradação ambiental, a proliferação de armas de destruição em massa e o terrorismo. Partilhamos um compromisso claro com o multilateralismo e devemos trabalhar para torná-lo mais efetivo.
Estamos confiantes em que, a partir das conquistas das duas cúpulas anteriores, Guadalajara tenha representado mais um avanço em nossa parceria estratégica. É isso que nossos cidadãos merecem e, portanto, nossa escolha deve ser clara.
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Christopher Patten, 60, é o comissário de Relações Exteriores da União Européia. Foi o último governador britânico de Hong Kong (1992-97). Enrique V. Iglesias, 72, é o presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
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