Pobre paga mais imposto para consumir

Os impostos e contribuições sobre consumo comprometem quase um quarto -24,4%- da renda das famílias brasileiras que ganham até R$ 400. Para as que ganham mais de R$ 10 mil, o peso deste tipo de imposto é de 17,3% da renda mensal.
O impacto dos impostos sobre consumo no orçamento familiar foi calculado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) com dados da pesquisa de orçamentos familiares divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na semana passada.
"O impacto forte no orçamento dos mais pobres mostra que a tributação brasileira, além de excessiva, é injusta", diz Gilberto Amaral, do IBPT. Ele incluiu no estudo impostos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), e contribuições como o PIS e a Cofins. São tributos recolhidos pelas empresas, mas que, na forma de custos, são incluídos por elas nos preços dos produtos e serviços consumidos pela população.

Impostos regressivos
No caso do Imposto de Renda, quem ganha mais paga alíquotas maiores. Impostos com essa característica são chamados de progressivos. Os impostos sobre consumo são regressivos: o ICMS incluso no leite, por exemplo, é o mesmo para um empresário com renda superior a R$ 10 mil mensais ou para uma faxineira que ganha o salário mínimo.
Os impostos sobre consumo acabam tendo impacto maior no caso das famílias com renda baixa por um motivo simples: quem ganha menos gasta uma proporção maior da renda com consumo.
Uma família com renda de até R$ 400 tem que gastar mais de 32% do orçamento com comida, no caso das famílias com renda superior a R$ 6.000, esse gasto é de pouco mais de 9%. Ou seja, os mais ricos acabam pagando, proporcionalmente, menos impostos sobre alimentos do que os mais pobres. O mesmo ocorre com os demais produtos e serviços.
É claro que os valores absolutos pagos pelos ricos são maiores. Quem ganha R$ 6.000, mostra o levantamento do IBPT, entrega ao governo, em média, cerca de R$ 1.020 em impostos sobre o consumo, enquanto uma família com renda de R$ 400 paga R$ 97.
Ainda assim, isso não elimina, explica Amaral, o fato de os impostos sobre consumo prejudicarem mais os pobres. Pior, eles podem piorar a distribuição de renda, na medida em que taxam da mesma maneira pobres e ricos."Isso não significa que é preciso taxar ainda mais os ricos. É preciso lembrar que o que estamos definindo como "ricos" é a classe média brasileira, que já paga muito. Mas faria sentido taxar menos as famílias mais pobres", diz o presidente do IBPT.
Parte dos recursos pagos ao governo na forma de impostos e contribuições transformam-se em serviços públicos, lembra Marcia Quintslr, coordenadora de índices de preços do IBGE.
A população de menor renda, mostrou a pesquisa de orçamentos da instituição, é a que, em média, mais usa esses serviços, principalmente no caso de saúde e educação. "Não vamos entrar na discussão da qualidade dos serviços, mas o fato é que eles estão disponíveis para toda a população. É assim que tem que ser", diz.
No entanto, não é possível concluir ainda, com base nos números do IBGE, se as famílias mais pobres recebem serviços que, em termos monetários, compensem o que elas pagam em impostos.
O estudo do IBPT mostra que o peso dos impostos sobre consumo já foi bem menor. Na década de 70, por exemplo, o total arrecadado com este tipo de imposto equivalia, segundo as estimativas do instituto, a 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto -soma dos valores de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um ano). Nos anos 90, a proporção já era de 13,6% e, no ano passado, ficou em 15,5% do PIB.

Controvérsia
O papel da tributação e dos gastos públicos para reduzir -ou para não piorar- as desigualdades de renda é um tema controverso entre os economistas.
Mas a maioria concorda que, na medida do possível, os impostos devem ser progressivos. No caso brasileiro, os impostos sobre consumo, regressivos, correspondem a quase 50% da arrecadação total.
A maneira como o governo gasta o dinheiro gera mais polêmica. Há correntes, por exemplo, que defendem que o governo deveria cobrar dos mais ricos por determinados serviços, como, por exemplo, os cursos das universidades públicas. A cobrança, mais que um mecanismo de financiamento, serviria como mecanismo de justiça social e poderia servir para transferir recursos e financiar bolsas para os mais pobres.
Quem se opõe argumenta que os serviços públicos como saúde e educação são universais e que a discriminação deve ser feita apenas na hora de tributar.

Receita
A Folha enviou o estudo do IBPT para a Secretaria da Receita Federal. Segundo a assessoria de imprensa da Receita, os técnicos do órgão preferiram não fazer comentários sobre o levantamento.

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